Shwari Logo Shwari
Histórias de Clientes

Da menina sem sapatos à mulher que cuidou de tantas vidas

18 de novembro de 2025 • Por Nubia Corredor

Ela tem oitenta anos, filha de japoneses, um olhar sereno, com muitas dores, já pela idade, e ainda assim, bem humorada, mas quando fala de sua infância, o tempo parece suspender-se no ar. Entre as histórias que compartilhou comigo, uma ficou ecoando por dias — a da menina de cinco anos que foi levada para longe de casa.

Tudo começou na primeira sessão de acupuntura, em que apliquei uma técnica chamada moxabustão.
Ao sentir o calor suave da moxa, ela se lembrou do pai.
Com um sorriso delicado, contou:

"Eu tinha dores nas pernas, e papai fazia moxa em mim."
E continuou, como se o corpo tivesse aberto a porta das lembranças.

Contou que, aos cinco anos, era a caçula entre as filhas mulheres, com um irmão mais novo. A família vivia com dificuldades, e a mãe, doente, já não conseguia cuidar de todos. Foi então que decidiram levá-la para morar com outra família — não para brincar com os filhos deles, mas para cuidar deles.

Ela, uma menina ainda tão pequena, passou a cuidar de crianças menores que ela. O pai a visitava apenas uma vez por ano. Quando ele chegava, ela pedia com toda a força do coração:
— Papai, me leva pra casa?
Mas ele respondia com uma frase que parecia enganar a si mesmo, com o coração partido, dizia: "É longe demais, você não aguentaria caminhar tanto."

Durante dois anos, aquela casa foi o cenário de sua pequena vida: apanhava, levava beliscões da patroa, fazia faxina, cozinhava — sem tempo para brincar. Às vezes, as crianças da vizinhança a chamavam para brincar, mas ela não ia.
"Eu tinha vergonha… não tinha sapatos, e minhas roupas eram todas furadas."

Enquanto me contava, havia ternura no olhar, mas também uma força que atravessa gerações — a força de quem sobreviveu à dureza e transformou a dor em sabedoria.

O pai, vindo do Japão, havia servido ao exército e aprendido vários ofícios — costurar, cozinhar, consertar o que fosse preciso. Ela falava dele com carinho e admiração. Mas a vida, mais uma vez, foi dura: quando ela tinha apenas oito anos, ele morreu, e o pouco amparo que restava se desfez.
Sua mãe já havia falecido antes do pai, por causa da doença, foi então que passou a ser cuidada pelas irmãs mais velhas — embora, na prática, continuasse cuidando da casa e ajudando em tudo.
Ainda assim, guardava uma relação especial com o irmão caçula. Havia entre os dois uma cumplicidade silenciosa, uma resiliência que resistia às perdas.

Quando cresceu, decidiu estudar, trabalhou em muitas coisas, até se encontrar como atendente de enfermagem. Foi ali que descobriu que cuidar poderia ter outro significado — agora não mais por obrigação, mas por escolha, para quem sabe, transformar sua própria história.
Aproveitou cada oportunidade para seguir aprendendo, até se tornar técnica de enfermagem.

Com o que ganhava, construiu sua família, criou dois filhos e, finalmente, pôde desfrutar da vida. Viajou pelo Brasil, conheceu lugares, viveu o que antes parecia impossível.

Eu, que tenho um grande apreço por histórias de vida — porque me humanizam e me ensinam que cada um de nós é único, com suas experiências tão particulares, tive que conter a emoção para não desabar em choro.
Ao ouvir os percalços que a trouxeram até aqui, compreendi o tamanho da sua trajetória, e passei a admirá-la ainda mais.
Ela transformou sua dor em força, e com ela reconstruiu uma nova história — feita de coragem, trabalho e amor.

Hoje, quando fala, ressoa gratidão em cada respiro.
A menina sem sapatos tornou-se uma mulher que curou dores — as suas e as dos outros — com o mesmo amor que, um dia, tanto desejou receber.

Compartilhe sua história

Cada história é única e inspiradora. Entre em contato e compartilhe sua jornada conosco.

Entre em contato